Jan 13, 2006

amén

No final daquele canto, todos começavam seus movimentos automáticos rumo aos bancos, como de costume. Se aprenderam este movimento desde criança, qual a verdadeira importância deste gesto, o porquê de anteriormente ficar em pé, o porquê de todas estas regras, nada disso passava pela mente daqueles fiéis. O que realmente importava para eles era a força que recebiam ao se submeterem àquele ritual. O que não podemos negar que para a grande maioria é verdade. Intrigado com aquela cena, vendo todos se abaixando, resolvi me testar. Resolvi ficar em pé, não sei bem explicar por que. Talvez para tentar me livrar das influências de todo um grupo, talvez para provar para mim mesmo que não é necessária tal submissão para me sentir recarregado com as forças divinas, talvez simplesmente para fazer daquela situação algo divertido, lúdico. A cada segundo que passava, maior era o número de pessoas sentadas, e maior era a força da gravidade sobre o meu corpo. Tentei resistir. Quando percebi que estavam todos sentados, o peso sobre meu corpo era colossal. Sento ou não sento, era tudo que eu pensava. Sento ou sento, era o que me dominava. O que quase me derrubou foram aqueles olhares vizinhos a mim, me condenando ao inferno, dizendo ao pé de meu ouvido “ou você senta ou você irá ser castigado por Ele”, o que me fez desviar o olhar para qualquer lugar exceto àqueles maus olhares. Desisto, foi o que veio em mente. Mas naquele intervalo entre o pensar e o agir, veio a salvação. Mais ou menos a uns 15 metros atrás de onde estava, um velha senhora se encontrava como eu, ereta. Bom, nem preciso dizer que aquilo me confortou e dentro de mim surgiu uma força que impediu que aquele pensamento de rendição se espalhasse por todos os músculos, como um câncer em período terminal.”Se ela, uma velha senhora, que no mínimo deve vir aqui 2 vezes ao dia, pode, eu também tenho todo este direito”. Sorri...
...E fiquei lá, em pé, orgulhoso. Se antes ficava olhando para o teto daquele templo para evitar olhares, agora mirava com gosto para os vizinhos, desafiando-os como quem diz “pelo menos não sou um maria vai com as outras, estou aqui firme e forte, e assim continuarei”. Naquele instante nem passou pela minha cabeça que na verdade estava sendo uma maria, talvez este pensamento faria desmoronar toda aquela barreira. Passei então a analisar por que diabos aquela mulher se encontra também naquela posição. Será que ela está na mesma situação que eu, querendo provar para si mesmo que consegue viver sem a influência de ninguém? Será que ela tem problemas físicos que a impedem de sentar, pois ainda não tinha a visto desde o momento que cheguei à missa. Será que ela, mesmo com mais ou menos 80 anos, não aprendeu que devemos sentar após aquele canto tão conhecido? Será que ela está apenas sendo solidária comigo, ou melhor, será que ela ganha forças para continuar em pé ao me ver aqui apoiado sobre as duas pernas, assim como eu também ganho forças ao ver ela, como naquelas relações que aprendíamos nas aulas de biologia, simbiose, se não me engano. Foi neste instante, nesta busca de respostas, que meus olhos fixam os seus olhos. Porém, os olhos da velha senhora não se fixam aos meus, pois estavam fechados. E um turbilhão de pensamentos tomam conta de mim, novamente. Será que assim, de olhos fechados, é mais fácil suportar esta difícil missão de ficar em pé, no meio de tanta gente sentada te condenando? Será que ela está tão compenetrada em seus pensamentos, rezando, pedindo a Deus para que seu marido se recupere de uma doença terrível, que se esqueceu de sentar? Ou será que ela não está nem aí para nada, apenas quer aparentar uma figura mais bizarra que eu, que além de ficar em pé quando não se deve, ainda fecha os olhos num gesto audacioso e displicente...

...Pensei por um instante em fechar meus olhos porque a barreira que antes era de aço, transformou-se em uma de papelão, afinal já tinham se passados longos 2 ou 3 minutos desde o final da cantoria. Agora até o padre já desviava o olhar para mim e para a velha senhora. Não sei se era um olhar de compreensão ou de condenação. Tentava acreditar na primeira opção, para ter coragem de continuar como estava. Mas não adiantou muito, a barreira desapareceu e num último gesto de desespero, comecei a esticar as pálpebras, a exemplo daquela velha senhora. Mas acabei por desistir de fechar os olhos quando vejo as pálpebras da velha senhora se encolherem, revelando seus olhos. Ela, parecendo assustada, olhou em toda a sua volta e não hesitou, apenas sentou. Sentei, procurando algum objeto inexistente em minha mochila.